O conceito da palavra resiliência tem origem na física e faz alusão à capacidade que alguns corpos apresentam de retornar à sua forma original, após terem sido deformados. Essa definição logo foi adaptada ao cotidiano humano, passando a ser utilizada para caracterizar indivíduos que apresentam a capacidade de lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, encontrando soluções em meio a situações adversas, como acontece na vida da brasiliense Jéssica Campos de Bona, que viu no empreendedorismo uma possibilidade de inclusão da pessoa com deficiência no mercado do trabalho.
Atualmente com 27 anos, Jéssica é proprietária da SethPet Estética Animal, empresa localizada no Grande Colorado, em Sobradinho, e que tem o objetivo de proporcionar um serviço humanizado e de excelência, capaz de transmitir amor e carinho a cães e gatos. Entretanto, o caminho percorrido até a entrada da brasiliense no universo empreendedor não foi fácil e ela precisou romper barreiras, sobretudo a da indiferença, para conseguir destaque no marcado de trabalho.
Jéssica tem raízes nordestina; é a segunda filha de uma mãe solo que veio tentar melhores condições na região do entorno da Capital Federal. Ela, porém, nasceu com uma lesão medular incompleta e por isso não tem sensibilidade nos membros inferiores, o que poderia limitar sua participação plena e efetiva na sociedade. “Com essa condição, eu precisei me virar. Aprendi a fazer algumas coisas muito cedo e com 12 anos já pegava ônibus sozinha em Valparaíso – cidade do entorno do DF – para ir fazer a reabilitação no Hospital Sarah, na Asa Sul”, lembra.
O sentimento de independência acompanhou a jovem, conforme o tempo ia passando. Aos 18 anos, Jéssica deixou a casa em que morava com sua mãe, se casou e veio morar de vez no Distrito Federal, mais precisamente em Planaltina. À época, ela percebeu que não conseguiria sobreviver somente com recursos oriundos do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que garante um salário mínimo mensal para pessoas com deficiência e idosos que, comprovadamente, não têm meios de prover à própria sobrevivência – e, então, ingressou no mercado de trabalho brasiliense, sendo contratada para atuar na área administrativa de uma loja de departamentos no shopping Conjunto Nacional. No entanto, logo que começou a trabalhar, Jéssica percebeu que a inserção de pessoas com deficiência no contexto do trabalho formal representava um problema.
Mais alguns anos se passaram. O casamento de Jéssica chegou ao fim e ela se mudou para Sobradinho. A jovem também deixou o cargo administrativo em que trabalhava e, por intermédio da Agência do Trabalhador, conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.
“Não havia incentivos para o crescimento de pessoas com deficiência na empresa em que estava trabalhando. Sempre que surgia uma oportunidade de desenvolvimento, colocavam barreiras. Era vista como incapaz de fazer algo além do que já estava acostumada a fazer e isso me fez sair”, conta a jovem.
A porta de entrada no universo empreendedor surgiu em 2019, enquanto Jéssica ocupava um cargo terceirizado no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, na Asa Norte. Um amigo próximo a ela estava começando um empreendimento de estética animal e convidou a jovem para ajudá-lo a cuidar da área administrativa. Na época, Jéssica tinha sofrido um acidente a caminho do trabalho e tinha começado a notar, mais uma vez, a falta de inclusão e de oportunidades para pessoas com deficiência. Ela aceitou o convite e por seis meses conciliou a rotina entre o tribunal e os afazeres administrativos da loja.
“Percebi que não estava valendo a pena e abri mão do cargo que exercia no tribunal. Resolvi trabalhar somente na loja e um dia, para minha surpresa, meu amigo veio até mim disse que não queria mais investir no ramo e me passou a negócio”, relembra.
Sem conhecimento algum em estética animal e prezando por otimizar tempo, Jéssica procurou por capacitações virtuais e aprendeu a tosar. Ela contratou um profissional que já tinha conhecimento na área e junto a ele, botou a mão na massa nos primeiros meses em que estava à frente do empreendimento.
O ano virou e com ele veio a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Junto a isso, um sentimento de incerteza tomou conta dos pensamentos da pequena empreendedora, que àquela altura já procurava meios para melhorar a gestão do pet shop. Jéssica imaginou que com o distanciamento social, a demanda despencasse, o que na prática não se concretizou. A empreendedora, então, começou a se aproximar do Sebrae no Distrito Federal e assim lapidar a administração de seu negócio. “Tenho a minha lista de cursos para fazer.
A história de vida da empreendedora aliada ao bom andamento do pet shop coincidiram com os objetivos de uma solução que estava sendo desenvolvida pela instituição, a Secretaria Extraordinária da Pessoa com Deficiência do Distrito Federal e o Conselho Permanente de Políticas Públicas e Gestão Governamental do DF: o Manual de Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, lançado em um seminário virtual realizada no fim do mês de janeiro.
Durante a realização do evento, Jéssica falou sobre a sua história desde a infância, frisou o momento em que enxergou que o BPC não era suficiente para sobreviver e contou desde o primeiro emprego com carteira assinada até a inserção no empreendedorismo. Ela também destacou o empreendedorismo como vetor de mudança e comentou sobre os benefícios que as pessoas com deficiência podem alcançar com a utilização da internet.
“A intenção do seminário era de conscientizar empresários acerca da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Eu, como empreendedora, fiquei muito feliz em participar e mostrar, com o meu exemplo, que o empreendedorismo é uma atividade que está ao alcance de todos, colaborando com a melhoria de nossas vidas e apresentando uma série de outros benefícios”, relata a empreendedora, que diz conhecer algumas pessoas com deficiência que têm ingressado nesse caminho empresarial e estão conseguindo, dentro de suas possibilidades, condições melhores para viverem.
Um dos objetivos de Jéssica é continuar próximo ao Sebrae para que a ideia de negócio seja – ainda mais – amadurecida com as soluções de gestão disponibilizadas pela instituição. Atualmente, ela já cogita deixar de ser microempreendedora individual para se tornar uma microempresária. “A demanda continua alta e precisarei contratar mais pessoas para continua oferecendo um bom serviço”, explica.
Tiro com Arco
Além de empreendedora, Jéssica é praticante profissional de tiro com arco desde os 21 anos. A vontade de ser atleta surgiu durante a adolescência da brasiliense e a fez procurar o Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe), na Asa Sul.
O pensamento inicial de Jéssica era praticar atletismo paralímpico em cadeiras de rodas. Mas, enquanto se preparava fisicamente para fazer um teste de aptidão, a jovem foi convidada para conhecer o tiro com arco e rapidamente mudou de ideia.
Hoje, Jéssica é integrante da seleção paralímpica da modalidade e concilia a rotina de empreendedora com os treinos realizados junto aos demais membros da seleção. Ela já chegou a participar de competições internacionais na Costa Rica e na Colômbia e enxerga uma série de benefícios na prática esportiva.
“O esporte me apresentou a importância do cuidado pessoal. Hoje sou uma pessoa mais disciplinada, mais focada e que consegue interagir melhor socialmente. Também passei a nutrir o desejo de encorajar as pessoas. Cada ser humano sonha em ser ou viver algo, mas muitos não enxergam ou demoram a agir. Quero que as pessoas compreendam a força que elas têm. Quero que cada ser humano entenda que o corpo chega onde a mente alcança e que não é uma limitação física que pode interromper um sonho. Quando a gente deseja muito alguma coisa, quer viver uma situação melhor, bastar acreditar, persistir e não pensar em desistir”, aconselha a brasiliense.
Fonte: ASN