Na área de ciência e tecnologia, a presença das mulheres é grande, mas ainda existe preconceito contra a ocupação delas nesses espaços. Uma pesquisa da Women in Tech, do Reino Unido, aponta que apenas um em cada seis especialistas em tecnologia no país são mulheres e um em cada dez está em cargos de liderança em TI. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), apenas 20% dos profissionais de TI representam a participação feminina.
A pesquisa britânica indica ainda que a economia do país poderia se beneficiar se mais mulheres trabalhassem no setor de TI, por apresentarem melhores habilidades de comunicação e ideias mais inovadoras, por exemplo.
O Mercado1Minuto conversou com Candyce Costa, fundadora do Female TechLeaders, plataforma que busca promover, inspirar e motivar mulheres que desejam entrar no mundo digital e da tecnologia ao redor do mundo, para entender um pouco melhor sobre como está esse mercado e quais são as características de mulheres de sucesso nessa área.
Mercado1Minuto: Como começou o Female TechLeaders e quais são as principais características desse projeto?
Candyce: O projeto iniciou em 2018 com uma necessidade minha de encontrar mais mulheres que estivessem trabalhando no mundo tecnologia. Mesmo aqui em Londres, onde eu vivo, esse número era muito pequeno e eu sentia falta de um lugar que oferecesse business networking e conferências. Eu queria que as mulheres saíssem dessa “grey area” onde elas estavam escondidas e que elas pudessem ter uma plataforma em que tivessem voz e que pudessem se encontrar e discutir assuntos em comum. Além disso, que todas, juntas, pudessem compreender os obstáculos e desafios que as mulheres enfrentam na tecnologia, seja na carreira ou como empresárias.
Como a Female TechLeaders faz a ligação entre Brasil e Europa?
Candyce: As nossas parcerias na Europa foram desenvolvidas nos últimos 3 anos, mas também temos parceria nos países nórdicos. A gente também tem parceria com hubs de investidores que estão procurando investir mais em empresas que possuem mulheres como fundadoras ou que possuem mulheres nos cargos mais altos.
Atualmente estamos buscando parcerias no Brasil, que é um ecossistema super positivo e eu quero tirar essa “síndrome de vira-lata” do brasileiro. Vamos começar a fazer o scout de empresas fundadas no Brasil por mulheres ou por times mistos porque o grande problema é que o nível de investimento em empresas que são fundadas por mulheres é muito baixo. Depois vamos criar um portfólio e levar para a fase de captação. A terceira parte seria fazer o match entre os hubs de investidores e startups para fazer com que essas empresas recebam aporte de um investimento internacional.
Como a tecnologia chegou na sua vida e quais foram os principais desafios que você enfrentou durante a sua carreira?
Candyce: Há 15 anos eu trabalhava como vendedora e vivia em Lisboa, Portugal. Nessa época, a gente começou a utilizar algumas ferramentas digitais, principalmente com o surgimento do celular, e-mail e outras tecnologias… Isso sempre me deixou muito curiosa. Quando eu me mudei para Londres, comecei a trabalhar, ainda como vendedora, para empresas de tecnologia, como a Microsoft, Xerox e a Xbox. Eu fazia o básico de códigos para trabalhar com web design e isso sempre foi uma curiosidade a nível pessoal. Quando eu comecei a fazer uma transição dentro da carreira, tendo responsabilidades maiores para a área de marketing, eu fiz vários cursos. Em seguida, abri minha empresa de marketing digital com foco B2B e tenho parcerias com diversas empresas, como a WeWork.
O meu maior desafio foi me encontrar e ver outras mulheres que também pudessem servir como modelo de inspiração pra mim, algo que é muito importante. No início da carreira, a maior dificuldade foi compreender os caminhos que eu precisava seguir pra atingir meus objetivos. Atualmente estou lançando um projeto que se chama “Mulher Digital” no Brasil em que a gente vai fazer a capacitação online de pessoas que estejam querendo iniciar carreira no mundo digital ou fazer essa transição.
Como mudar o atual cenário e influenciar/apoiar a entrada de novas mulheres no mundo da tecnologia?
Candyce: Existem alguns pontos que são necessários com as mulheres individualmente, como problemas de autoconfiança, síndrome da impostora e medos que fazem com que você não avance. Mas no ponto de negócios, há maneiras de fazer com que as mulheres se sintam mais acolhidas e não deixadas de lado e esquecidas. É importante a inclusão e igualdade de gênero e isso faz com que as empresas tenham que repensar sua própria cultura, por exemplo. As companhias precisam também se humanizar mais para desenvolver capacitação interna dando chance para que essas mulheres tenham um plano de carreira, se capacitem, cresçam e sejam promovidas.
Mudanças no processo de seleção e recrutamento de talentos também são necessárias para eliminar os vieses e esses pré-conceitos que fazem com que as mulheres sejam subjugadas. As mulheres têm que parar de ter vergonha de estar falando sobre sucesso, sobre ser ambiciosa e mostrar para a sociedade que é okay você ser mulher, ser mãe e que queira ser empresária e também trabalhar. Porque, na sociedade, há uma pressão muito grande pra mulher ser perfeita em todos os âmbitos e essa pressão faz com que a mulher se perca nessa jornada.
Você acha que o atual cenário do mercado de trabalho sofreu mudanças reais de forma que a entrada das mulheres fosse menos complicada?
Candyce: Eu acredito que sim porque hoje em dia nós já avançamos e vencemos vários desafios e obstáculos que enfrentávamos 10 anos atrás, por exemplo. Mas, com o Covid, os reports que eu tenho acesso, mostram que em 2020 tivemos um retrocesso nas vitórias que as mulheres tiveram nos últimos anos. Com o lockdown, a maior parte das mulheres que está trabalhando remotamente precisa executar uma jornada tripla. Portanto, nas 8 horas de trabalho diárias que elas passam em casa, elas têm que reunir além das obrigações profissionais, as de gerenciar a casa e as famílias. Algumas mães tiveram que tomar responsabilidade até mesmo sobre a educação das crianças.
Quais as características de uma mulher que atinge o sucesso na área de tecnologia?
Candyce: Primeiramente o mindset. A mulher que tem sucesso, seja como empresária ou na carreira, tem o mindset muito forte. E esse mindset é um grupo de fatores: são muito positivas e acreditam muito em si próprias, não têm medo de erros e falhas, e não se sentem culpadas ou receosas de querer ter sucesso.
Dentro da parte mais técnica vem as habilidades como certificações, estudos, como abrir uma empresa e criar uma empresa, no caso das empresárias… Num geral, sempre estão tentando aprender e se desenvolver. Principalmente, elas têm uma vontade muito grande de fazer diferença e de serem diferentes para mudar o mundo. Geralmente essas mulheres têm um propósito, um objetivo muito claro dentro da cabeça delas.
Quais são as mulheres que te inspiram nessa área?
Candyce: Aqui em Londres eu posso destacar a Anne-Marie Imafidon que criou, há alguns anos atrás, um grupo chamado Stemette, que tem como objetivo influenciar mulheres para seguirem na área de STEM (Ciência, Tecnologia, Matemática e Engenharia). A própria Dr. Anne-Marie foi um prodígio infantil, sendo uma das mais jovens a passar por dois GCSEs (uma qualificação britânica) em duas disciplinas enquanto cursava a escola primária.
Uma outra pessoa que me inspira muito é a Dr. Christyl, que trabalha na Nasa, nos Estados Unidos, e é diretora de tecnologia. Ela é uma mulher extremamente humilde e inteligente. Uma mulher que está em uma posição que ela tem, dentro de um setor extremamente dominado por homens e que faz com que eu a veja como uma mulher tão poderosa que está sempre disposta a ouvir e ajudar e incentivar outras mulheres a seguirem a área de tecnologia.
Quais setores os investidores devem ficar de olho em um cenário pós-pandemia?
Candyce: O edutech, que é a tecnologia pra área de educação, está explodindo bastante, uma vez que, com o lockdown, estamos fazendo tudo remoto. E isso vai além da escola, como universidades, cursos preparatórios e qualquer plataforma de ensino. Acredito que esse setor vai continuar bombando. O segundo setor que está muito em alta é o de healthtech que, também por causa do Covid, começou a trazer muitos produtos, protótipos e ideias que se iniciaram pela atual situação e eu acredito que não haverá um retrocesso. Um terceiro setor é o de inteligência artificial e machine learning. Ele está trazendo uma série de ferramentas e soluções que buscam trazer transformações na sociedade. Aqui na Europa, o setor de agrotech está em alta também, principalmente as fazendas verticais para melhor utilização dos espaços e do solo para produzir alimentos. Um último ponto seria o de renováveis, além de energia eólica e solar, também a parte de reciclagem, como plásticos e embalagens.
Candyce Costa – Economista pela Universidade Federal de Sergipe, com experiência em vendas e marketing digital para empresas como Xerox, Microsoft e Xbox. Fundadora do Female TechLeaders, revista digital que promove mulheres em negócios digitais e tecnologia, e da edutech de capacitação online, Mulher Digital.
Fonte: Mercado1Minuto