Em meio à grave crise sanitária que o Distrito Federal vem enfrentando por causa da pandemia da covid-19 desde março de 2020, o brasiliense começa a constatar o desabastecimento de medicamentos. As três farmácias de alto custo do governo do DF, por exemplo, estão com falta de alguns remédios no estoque. Consumidores têm sentido a falta também de remédios populares nas drogarias da rede pública e privada.
Na farmácia de alto custo, na Asa Sul, 51 medicamentos estão em falta; em Ceilândia, 50 itens não estão disponíveis; e, no Gama, 49 substâncias não constam no estoque, segundo último monitoramento do Correio feito no site da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Quanto aos medicamentos populares, produtos como a morfina (sulfato) cápsula para liberação controlada, de 30mg e mesalazina supositório 250mg também estão em falta na rede pública.
Nas demais drogarias, o cenário se repete. O desabastecimento afetou a assistente de comunicação Carolina Araújo, 47 anos, que ao menos duas vezes, nos últimos 60 dias precisou passar por vários estabelecimentos até encontrar os remédios. Em março, a moradora do Sudoeste não encontrou antibiótico para a filha de 7 anos e, em maio, não conseguiu comprar cálcio para a mãe, de 83.
“Eu precisava de duas caixas, e tive que rodar três farmácias para conseguir comprar o antibiótico, em março. Com o remédio da minha mãe, o meu irmão foi em duas farmácias procurar o medicamento. No Lago Sul e eles disseram que tinha uma no Sudoeste, onde moro com a minha família. Liguei, e só tinha as duas últimas caixas”, conta. “Segundo eles (da farmácia), faltava insumo que produzia o medicamento. Várias amigas me contaram que também tiveram essa dificuldade. Antibiótico precisa e ao não achar fico desesperada”, completa Carolina Araújo.
O diretor do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Distrito Federal (Sincofarma-DF), Francisco Messias Vasconcelos confirma o problema na rede de drogarias na capital. “São antibióticos, antitérmicos, xaropes e antigripais. A indústria alega não conseguir comprar insumos para a fabricação, então a produção fica reduzida. Estamos sofrendo com isso desde dezembro. Tem a ver com a pandemia (da covid-19), mas a guerra (entre Rússia e Ucrânia) piorou a situação”, explica.
Segundo Francisco, a produção está lenta e os remédios vão chegando aos poucos nas farmácias. “Não temos expectativa de melhoria e nem de quando voltará a normalidade”, completa. Apesar do problema, ele afirma que não haverá alta no preço final dos insumos. “Os valores dos medicamentos não têm sido afetados”, acrescenta o diretor do Sincofarma-DF.
Para o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos, a pandemia de covid-19 corroborou em uma mudança internacional na distribuição de produtos de vários segmentos, e o farmacêutico não foi diferente. De acordo com o economista, como a maioria dos insumos dos produtos são produzidos em outros países, a dependência também impulsionou a falta de medicamentos necessários para a população mundial.
Produção afetada
“O problema é que todas as cadeias de distribuição no mundo foram alteradas pela pandemia. As drogas que são insumos para a maioria dos medicamentos são produzidas em poucos países, como Índia e China, especialmente. Mesmo medicamentos simples, como o paracetamol, tem uma distribuição mundial que tem como origem esses países. As restrições (lockdowns) pela pandemia fizeram com que surgissem restrições de oferta e/ou aumentos de preços. Isso é mundial e não só do Brasil. A população é logicamente penalizada seja pela falta de produtos seja pelo aumento nos preços”, analisa o especialista.
A funcionária pública Rosi Barbosa, 50, queixou-se da falta do Clavulin na rede privada, e tentou, por duas vezes, a compra do medicamento nas farmácias do Distrito Federal. Na tentativa de achar o remédio, a moradora da Octogonal mobilizou um grupo de amigos nas redes sociais. “No fim de abril eu consegui comprar, mas achei só uma parte do que eu precisava. Meus amigos comentaram que havia uma caixa em uma farmácia da Asa Sul. Depois precisei comprar um outro remédio para alergia, mas também não encontrei”, conta. “Rodei, ao todo, umas quatro farmácias de rede, além de ir em farmácias pequenas. Cheguei a ligar para a minha prima, porque a filha dela tinha tomado o remédio na semana anterior”, diz.
A médica infectologista Ana Helena Germóglio explica que devido a uma alta demanda de medicamentos, ocorreu de alguns antibióticos, que são dos mais utilizados para infecções bacterianas frequentes na comunidade, faltarem no mercado. “Durante a pandemia muitos desses antibióticos tiveram a sua prescrição incorreta no combate contra a covid-19, já que nós sabemos que eles não têm ação contra a doença”, observa Germóglio.
Questionada sobre o desabastecimento na rede pública, a Secretaria de Saúde do DF não se posicionou até o fechamento desta reportagem.
Fonte: Correio Braziliense