O cerrado tem seu Napa Valley, a famosa região dos vinhos localizada na Califórnia (EUA). A cerca de 40 km do centro de Brasília, agricultores se dedicam à produção de uvas viníferas e de mesa. Atualmente, cerca de 34 propriedades na capital produzem a fruta, com um total de quase 60 hectares de plantações.
Segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-DF), apenas em 2020, o Centro de Abastecimento (Ceasa-DF) comercializou 43 toneladas de uvas locais. Rodeado pela vegetação típica do bioma, as fazendas oferecem, além das uvas, a atração do ecoturismo. Para contar essa experiência, o Correio visitou a Fazenda Califórnia, um dos locais que oferecem esse serviço. E o BE trouxe essa história para você.
“Despertar as sensações de paladar, cheiro e textura”, essa é a proposta da fazenda, localizada em Boa Vista, na Fercal (Sobradinho). Para proporcionar a experiência, a proprietária do local, Rachel Bardawil, organiza a 3ª Festa da Vindima, este ano com um novo atrativo: a 1ª Pisa de Uva no DF. O local será aberto ao público a partir de hoje, durante este fim de semana, e também entre os dias 5 e 7 de setembro. “Esperamos entre 30 e 50 pessoas por turno”, conta Rachel. A propriedade, além da produção da niágara rosana, uva de mesa, tem o plantio das uvas viníferas syrah, tempranillo e barbera.
“Entre desafios e acertos, realizamos três safras de vinho caseiro. Embora o DF ainda não tenha essa cultura, aos poucos, a produção local ganha espaço e destaque. Para este ano, por exemplo, esperamos colher 13 toneladas de niágara. Nossos próximos passos serão construir a vinicultura e tornar esse espaço aberto para hospedagem. Pretendemos deixar os chalés para os visitantes poderem passar o fim de semana e ter a experiência enriquecedora que nós temos”, explica Rachel.
O chefe da família Bardawil, José Alberto, conta como começou o projeto de trazer para a fazenda Califórnia a produção de uvas e vinho. “Tenho uma ligação forte com a Itália. Uma filha é casada com um italiano e mora lá, costumo passar todo verão no país. E conhecendo essa riqueza cultural, quis trazer isso para cá também. No começo não foi fácil, no primeiro plantio, por falta de técnica e mão de obra especializada, perdi cerca de 80% das uvas. Mas sou teimoso, então viajei para o Chile, para a Argentina, para o Sul do Brasil e a Itália, e fui estudar como fazer esse projeto dar certo”, revela.
A família está há 10 anos na produção de uvas e entrou na terceira safra de produção de vinhos — ainda considerados caseiros e em pequena escala. Mas pretende expandir o negócio. No entanto, o desafio para José e outros produtores rurais é o incentivo. “Falta um pouco de ajuda do governo para auxiliar o pequeno e médio agricultor. Sem ajuda, é difícil conseguirmos avançar. Temos tudo para tornar Brasília um polo do vinho. Por isso, sempre incentivo, inclusive, outras pessoas a começarem a trabalhar com uvas, é um mercado que vai crescer, e quanto mais gente se dedicar a isso, mais espaço teremos para alavancar isso na cidade”, pontua.
Enxergar o DF como produtor de vinhos, para alguns, é algo inusitado. No entanto, o extensionista Felipe Camargo, coordenador do Programa de Fruticultura da Emater-DF, explica que o Cerrado tem muito potencial para se destacar na produção de uvas. “O nosso clima favorece a produção de uvas. Temos um solo que embora seja pouco fértil, oferece outros atributos, como facilidade de mecanização, por exemplo. Além disso, temos um longo período em que não chove. Com isso, fica mais fácil do produtor controlar a irrigação e adequar a absorção de água que a uva terá”, esclarece.
Outro diferencial na produção da capital federal é a chamada dupla poda, ou poda invertida. “Dessa forma, os produtores conseguem organizar duas colheitas por ano. O cerrado também tem a oferecer uvas mais doces do que de outras regiões. No entanto, embora ela tenha todo esse encanto, essa é uma cultura cara, que precisa de profissionalização e cuidados específicos”, salienta.
Depois de colher e experimentar a uva direto do pé, a reportagem participou da primeira pisa de uvas do DF. Com duas barricas de carvalho, os visitantes podem vivenciar a tradicional técnica de prensar os cachos da fruta com os pés. Enquanto as uvas estouram contra a pele, e o cheiro inebriante da fruta é estourado pelo sumo, os sentidos abraçam a sensação terapêutica. Após a pisa de uvas, os visitantes deixam as marcas dos pés em um certificado que pode ser levado para casa.
Potencial
Um dos responsáveis por cuidar do vinhedo é Antônio Marcos dos Santos, que trabalha desde 2015 com a família Bardawil. Antônio se confessa apaixonado pelo plantio de uvas, e busca se profissionalizar na prática. “Comercializamos as uvas tanto diretamente aos visitantes que vêm aqui, como na Feira do Padre de Sobradinho. Buscamos sempre progredir, e tem todo um processo para possibilitar uma maior produção e também sua qualidade”, revela. Quem também aproveita o a fazenda é o pequeno é Pedro Ruan, de 3 anos. O pai, Jaciel Alves da Silva, 28, veio do Maranhão há dois meses e encontrou na propriedade uma oportunidade de emprego e de aprendizado. “Nunca tinha trabalhado com uvas e estou gostando bastante. O Ruan (filho), é quem mais se diverte. Sempre que venho colhê-las, ele me acompanha. Para ele, é só alegria”, explica.
Cleison Duval, chefe de gabinete da Emater e engenheiro agrônomo, avalia que a agricultura familiar e o médio e pequeno proprietário têm muito a oferecer no plantio de uvas. “Esse mercado vem crescendo muito nos últimos 10 anos. Por isso, a Emater pesquisa e estuda para atender essa demanda dos produtores. E além do próprio consumo da fruta, isso colabora para fortalecer a rota do vinho no DF. Brasília tem muito potencial para se destacar também nesse cenário, como se destaca na produção de hortaliças”, declara.
Sobre a produção de vinho, Bruno Sigmaringa Seixas, 41, administrador e membro da família Bardawil, afirma que são “10 anos cuidando da uva aqui, e sempre incentivamos novos produtores a trabalhar com a fruta também. Por enquanto, a nossa produção de vinhos é pequena, mas o objetivo é aumentar a produção”.
Você sabia?
Uvas viníferas costumam ser mais doces, com casca mais espessa e grãos pequenos. O rendimento é baixo, pois o foco é na concentração de açúcares e sabores, pois a quantidade de açúcar é fundamental para permitir uma boa fermentação natural (conversão do açúcar em álcool) sem a necessidade de aditivos. Enquanto a uva de mesa é produzida em grande quantidade, com grãos grandes e cheios de sucos, geralmente, menos adocicadas. Outra diferença entre os dois tipos de uvas é a concentração de taninos, que definem a coloração do vinho. Uvas de mesa têm a casca fina para serem facilmente mordidas.
PROGRAME-SE:
Dias de visita: 27, 28 e 29 de agosto e 5, 6 e 7 de setembro
Cronograma
Manhã
» 9h – Recepção, boas vindas e caminhada até o parreiral
» 9h30 – Colheita da uva niágara rosada
» 10h30 – Pisa da uva (comprar a parte)
» 11h30 – Brunch com produtos da fazenda e região
» 12h30 – Encerramento
Tarde
» 14h30 – Recepção, boas vindas e caminhada até o parreiral
» 15h – Colheita da uva niágara rosada
» 16h – Pisa da uva (comprar a parte)
» 17h – Brunch com produtos da fazenda e região
» 18h – Encerramento
Investimento:
» R$ 245,00 (adulto)
» R$ 122,50 (7 a 14 anos)
*Crianças de até 6 anos não pagam
Com informações Correio Braziliense