*Por Georges Humbert
Os municípios têm o poder de regulamentar as faixas de restrição à beira de rios, córregos, lagos e lagoas nos seus limites urbanos. É o que prevê a Constituição Federal (CF) e ratifica a nova Lei 14.285/2021 (APP urbana), com a possibilidade de se ampliar o potencial construtivo e de preservação, sustentavelmente.
Antes dela, o Código Florestal estabelecia as normas gerais sobre a proteção da vegetação em área de preservação permanente (APP), de forma igual e indistintamente à tão diversificada realidade dos mais quatro mil municípios, atropelando as peculiares vocações e funções sociais de cada cidade. Contudo, essa incidência indistinta e genérica da APP, tratando de modo igual áreas urbanas e rurais, sempre foi inconstitucional, sendo corrigida pela nova lei.
Dois são os principais fundamentos constitucionais da norma que, por uma leitura desatenta, pode parecer menos protetiva, mas não é. Primeiro: quando se refere à cidade e à área urbana, a CF o faz em capítulos, princípios e regras distintos, já que, por lógica, são situações totalmente diversas. Segundo: na área urbana é o município o protagonista da gestão ambiental, seja pelos impactos predominantemente locais, seja porque a CF define o PDDU como a norma base dos espaços urbanos, pois, dentro do princípio do pacto federativo que vigora no país, os municípios, entes mais próximos à população, têm poderes e papel de destaque na gestão ambiental do ordenamento urbano.
A nova lei acabou com a inadequação do tratamento igual entre APP urbana e rural. Para os efeitos da lei, entende-se por Área de Preservação Permanente (APP) a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Anteriormente, o Código Florestal determinava que essas áreas fossem espaços especialmente protegidos. Assim, aplicavam-se, indistintamente, aos mais de quatro mil municípios, de forma geral e irracional. Não havia quaisquer ressalvas, notadamente quanto aos peculiares espaços urbanos deste Brasil continental e multifacetado. Como tratar igual um terreno urbano e uma fazenda rural? Isso foi corrigido pela nova Lei 14.285/2021.
A nova lei vai permitir adequar os empreendimentos imobiliários à preservação de rios e lagos em áreas urbanas a um perímetro compatível com as características peculiares das cidades, de acordo com o PDDU ou outra norma específica. Antes, a aplicação, indistintamente, do Código Florestal aos cursos de água e lagos em áreas urbanas e rurais levou a ocupações irregulares, desordem e, pior, à transformação dos rios urbanos em verdadeiros esgotos a céu aberto ou tamponados, pois era impossível e ilógica a exigência de se tratar rios e lagos em florestas ou nas cidades da mesma forma.
Portanto, a nova lei é mais sustentável, uma vez que restabelecerá e promoverá o meio ambiente equilibrado, devolvendo aos municípios sua competência para a defesa e preservação dos já combalidos rios urbanos (verdadeiros esgotos), conciliando ecologia e demais funções socioambientais e econômicas urbanísticas (moradia, transporte, lazer, indústria, comércio).
*Por Georges Humbert – Advogado, consultor, mentor e professor. Dr. Georges Humbert Jurídico e Sustentabilidade